Tudo começou com um simples impulso, uma vontade de ser igual a ela. Queria fazer parte do seu mundo, descobrir que tanto mistério rodeava sua sala de aula. Por que todos pediam licença ao entrar? Assim, me posicionei no cantinho, tentando aprender os passos sozinha.
Quando iniciei no 'baby', era a menorzinha da turma. Bom me acostumar, porque de fato a vida toda continuei sendo a mais baixa, primeira da fila liderando o corpo de baile, sempre escalada a fazer papéis de criança por minha pequena estatura e rosto de menina. Até meus vinte e poucos anos, ainda passava por menor de idade e ganhava desconto nas bilheterias.
Entre aulas de clássico, sapateado e flamenco, brincava com minhas amigas pelos corredores da escola e passava os fins de tarde fazendo lição no escritório de minha mãe, esperando que ela terminasse sua última aula do dia. Tentava equilibrar meus cadernos em meio a sapatilhas xulézentas, capas de cds, inúmeras listas de nomes, cheques e fotografias que se espalhavam por sua mesa.
Na hora de ir embora, era sempre a mesma história.
'Cadê a chave do carro??'
Exausta e sem voz de tanto dar aula, minha mãe a procurava por todo o canto, mas quem podia encontrar algo em meio àquela bagunça?
Cada sede da sua escola - o Ballet Marcia Lago - fez parte do meu crescimento. Passei por algumas na época em que o balé ainda não tinha sua própria casa. O período mais marcante para mim foi o da 'North Lake', com seu parquinho gigante e amoreira que tingia nossas sapatilhas, o fã clube das Chiquititas e canções da Sandy & Junior, perguntas e descobertas da adolescência ... quem teve aulas com o professor Bruno lembrará das inúmeras desculpas que inventávamos para escapar dele.
Foi lá onde realizei meu maior sonho: vestir uma sapatilha de ponta!
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Naquele mesmo ano, fui papel de destaque no espetáculo da Cinderella. Senti que minhas amigas me tratavam diferente pois ficaram chateadas em não serem todas escolhidas. Todos deviam pensar que ser filha da diretora me dava certos privilégios, mas muito pelo contrário! Vivia levando broncas sem motivo (ou com pouco motivo), meus figurinos eram os ultimos a ficarem prontos, e não me lembro de receber tantos elogios de minha mãe.
Parece até que o balé nos preparava para o mundo profissional, onde alegrias e decepções fazem parte da vida, onde às vezes pode ser nosso momento, às vezes não. No fim descobrimos que cada um tem o seu valor e seguimos nosso caminho, aprendendo a lidar com nossas emoções e ter consideração para com o sentimento dos outros.
Hoje o Ballet Marcia Lago se encontra bem instalado na Rua Ismael Neri, 286, região norte de Sao Paulo. Um lugar iluminado, acolhedor, cheio de história, com banners de fotos que representam décadas de trabalho intenso. Orgulho-me por ser cúmplice de seu amor profundo à arte.
Na entrada de sua casa azulada, vê-se o logo de uma bailarina cabeçudinha com uma mão na cintura, fazendo um degagé. Essa bailarina foi inspirada na menina que desde pequenina aprendia a dançar sozinha, e quem me contou foi a própria desenhista, nossa querida Tia Lu, também minha primeira professora.
Embora não deixasse de curtir a sensação prazerosa de estar no palco, o que me atraiu à dança foi a disciplina, o esforço que cada aula sua exigia. Fui aprendendo o quanto precisava me dedicar para poder aprimorar cada passo e minha capacidade de executá-los. Não bastava saber dançar, tinha que me superar a cada dia. Aprendi que quando queremos muito uma coisa, não medimos esforços, e que basta continuar tentando para que finalmente algo se torne atingivel.
Com trabalho e dedicação conquistamos nosso espaço, este sempre foi o lema da escola e fará parte de sua eterna historia. Esta historia vive no coração de todos que por ali passaram e continua a alimentar muitos sonhos, inclusive os meus.
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