Muitas pessoas passam a vida à procura de um propósito, um sentido pelo qual elas existem. Crianças vivem angustiadas por aquela pergunta mais que banal: O que quero ser quando crescer? Dentista? Jornalista? Professora? Já sei, cientista! São tantas escolhas que parece algo impossível de lidar, mas para minha sorte, eu nunca precisei me questionar sobre que faculdade seguir, quais matérias cursar e em que me especializar... acabei me apaixonando por algo que muitas meninas na minha época exercitavam desde pequenas - a DANÇA – e através dela um caminho foi se abrindo e fui me aprofundando mais e mais, movida pelo meu sonho e o de muitas das minhas colegas de nos tornarmos bailarinas profissionais.
Vejam que esta palavra - ‘profissional’- faz toda a diferença.
Todo mundo que dança já é bailarino, não importa a idade. Ser bailarino é algo que vem de dentro, é escutar a música e se deixar levar, se entregar ao piano, ou nada melhor do que dançar ao som de uma grande orquestra! E a plateia ali para aplaudi-lo. Será que importa se dançamos sozinhos ou se há alguém assistindo? Acho que não, isso não nos tira o direito ou não de ser bailarino. O que nos impede de dançar por mero prazer? Todas as minhas amigas de infância foram bailarinas, treinavam como eu e se dedicavam, muitas até tinham aquele brilho no olhar, mas a medida que cresceram foram encontrando obstáculos, e uma por uma, foram acreditando que aquilo de viver para dançar não passava mesmo de sonho.
Fazer da dança sua profissão é mais complicado do que parece, especialmente de onde eu venho. Existem inúmeras companhias de dança na Europa, Rússia, Estados Unidos, porém no Brasil ou América Latina, nem tantas. Nunca soube dizer o porquê, mas hoje entendo que há lugares do mundo onde existe uma tradição antiga de ir ao teatro assistir opera ou balé, o que gera um publico. Sem publico, companhias não sobrevivem. Fora isso, em Londres, onde vivo, há muitas escolas profissionalizantes para bailarinos, inclusive uma das maiores do mundo, a Royal Ballet School, fundada em 1926, e aqueles que estudam na escola parecem ter um futuro garantido, mas também não é bem assim. Mesmo eles enfrentarão um longo processo de audições, assim como eu enfrentei aos 18 anos.
O mundo do balé clássico é como uma sociedade secreta, uma rede complexa de pessoas que se conhecem e se ajudam, que são apaixonadas pela arte e o que ela representa, que protegem tradições com unhas e dentes, mas querem que a arte sobreviva, que acompanhe o crescimento e desenvolvimento da sociedade. Quando pequenina, não podia imaginar que um dia teria que infiltrar essa massa e provar que também tinha algo a dizer e a contribuir nesse espaço. Mal sabia como exerceria a profissão, muito menos que passaria por mil e um testes até chegar lá, mas não irei me precipitar.
Talvez precise contar como tudo começou, que já nasci nos braços longos de uma bailarina de verdade que tinha uma escola de dança, e que foi lá onde dei meus primeiros passos. Algo natural para sua menininha de três anos iniciar no baby class. Logo minha mãe tinha me inscrito também no sapateado e no flamenco, e os fins de semana foram ficando lotados de compromissos com a dança. Eu adorava essa adrenalina, crescia toda vez que entrava no palco.
Parece bobagem, mas quando pequena eu não pensava no que constituía uma carreira de bailarina, apenas queria nunca ter que parar de dançar. Era simples assim.
Li o texto e me identifiquei muito. Ganhei coragem com isso.
Acabei aqui por acaso. Resolvi ler porque, não apenas gosto de ballet, mas vi que você estudou literatura e escrita criativa. E agora tô assim: ei, peraí? Qual é o capítulo 2?
É mágico te ver dançar