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2. Filha de peixe, peixinho é


Desde pequenina gostei muito de dançar. Saía rodopiando pela casa ao som da abertura do meu programa favorito, o Xou da Xuxa. Meu pai arranjava mil desculpas no trabalho por chegar atrasado todas as manhãs, não querendo perder esse espetáculo por nada. Com sua câmera VHS nos ombros, gravava imagens da nenê que corria sorridente pela casa, abanando os bracinhos como uma espaçonave que contornava o mundo. Filmou cada recusa minha a vestir nada além de collant, meia calça e sapatilha, parecendo adivinhar que um dia eu precisasse me convencer de que nasci com uma vontade inabalável de me expressar dançando. Foi meu maior fã desde o princípio.

 

Minha mãe dançou por muitos anos com a Companhia Clássica de São Paulo, dirigida por Halina Biernacka. Apesar de tê-la culpado por me induzir ao balé - especialmente em momentos difíceis da minha carreira em que me perguntava por que escolhera algo tão sacrificante? - algo me diz que tudo foi obra do destino. Meu passatempo preferido era ficar assistindo às gravações dos espetáculos de fim de ano de sua escola, e copiava tudo, tim tim por tim tim, prestando atenção em cada detalhe e não desgrudando os olhos da televisão.

 

Meu pai registrou meus momentos mais criativos, imagens de sua pequena de saia rodada e sapatilha dançando em um quartinho escuro do nosso apartamento em Sao Paulo, ou tentando passos novos na casa dos meus avós.


Quando meu irmão nasceu, lá estou toda bonitinha na maternidade, de vestidinho branco com bolinhas laranjas e um laço enorme na cabeça, imitando os passos que vinha assistindo no espetáculo da Mary Poppins. No fim do dia, apareço só de calcinha e toda despenteada, segurando uma bolsa maior que meu tamanho em uma mão e um guarda-chuva na outra.

 

‘É assim, mãe?’ soa uma vozinha estridente, chamando por sua atenção.

 

‘Isso filha,’ ela diz, ‘agora estica o pézinho.’



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