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A Temporada do Royal Ballet 21/22 Parte II

Uma nova produção de O Lago dos Cisnes foi criada no fim da nossa temporada de 2017/18. Embora a música de Tchaikovsky e influências coreográficas de Petipa e Lev Ivanov tenham sido mantidas, foi a primeira remontagem deste clássico nos últimos 30 anos do Royal Ballet, e uma grande responsabilidade ao coreografo Liam Scarlett e toda a companhia!


Ao contrário do esperado, essa versão não era nada mais simples. O ballet continuaria sendo o mais desafiador de todos, especialmente para as mulheres. No quarto ato, a dança dos cisnes parecia-me ainda mais difícil do que a anteriormente, os tutus encurtados expunham ainda mais nossa técnica, e alguns ângulos e poses pareciam-me não apropriados. Além disso, tudo acontecia no final de uma temporada difícil, e estávamos todos bem cansados.


Mas a paixão, o entusiasmo e o amor de Liam pela dança e por contar histórias nos levaram junto com ele a alcançar algo surpreendente. Não há como negar que sua produção é riquíssima e se encaixa lindamente no nosso repertorio.


Swan Lake em 2018 © ROH

Quando O Lago voltou ao repertório nesta temporada, havia um grande vazio a ser preenchido. A morte prematura de Liam teve um impacto emocional muito grande em todos que o conheciam ou trabalharam com ele. Eu não tinha certeza de como esse processo de ensaios iria acontecer. Eu o temia tanto, mas ao mesmo tempo algo me dizia que poderia ser minha chance de honrá-lo. Vi que poderia deixar as lembranças encherem meu coração de tristeza, ou usá-las para me ajudarem a proteger o seu legado.


Mesmo não estando fisicamente conosco, ainda podia ouvir sua voz no estúdio e imaginá-lo demonstrando os passos. Podia ouvi-lo enfatizar o ritmo sincopado que esperava ver na valsa e polonaise do primeiro ato, os braços, cabeças e formas exatas que queria para as 'criaturas majestosas' que são seus cisnes. Tudo o que eu tinha que fazer era deixar essas vividas memórias me guiarem…


Descobri também que podia ajudar os novos bailarinos da companhia a se familiarizarem com seu estilo coreográfico. Tentei dançar com o corpo e alma em todos os ensaios para que pudesse servir de bom exemplo. Se você não se sente exausta, se seus braços não estiverem doloridos "quase caindo", provavelmente não está executando o movimento corretamente!


Photo by Andrej Uspensky, 2022

‘Liam tinha uma intensidade como criador.

Tudo o que ele fazia tinha um batimento, seja abstrato ou narrativo.

Ele tinha uma grande afinidade com a música e a usava como força motriz em todas as suas criações.

Ele costumava falar sobre tudo relacionado às verdadeiras emoções humanas que fazem a obra entrar diretamente no coração do público, pois eles podem identificar-se e ver um aspecto de si mesmos ou de suas vidas refletidos no trabalho, até mesmo clássicos antigos como O Lago dos Cisnes.'


Laura Morera, principal dancer


Esse ano Laura fez parte da nossa equipe artística, ajudando nos ensaios e remontagem. Foi uma fonte constante de inspiração e orientação para mim. Porem, desde nossa última temporada em 2019, os repetiteurs e o corpo de baile passaram por grandes mudanças. Nossa ballet mistress principal entrou em licença maternal, além de muitas bailarinas experientes do corpo de balé terem se aposentado. Novos membros do corpo de baile naturalmente confiam e se espelham nos mais experientes, e podem aprender muito com eles.


Alem disso, muitas bailarinas solistas se lesionaram, o que significou que outras mais experientes do corpo de baile passaram a fazer esses papéis de solistas e primeira solistas, deixando outro vácuo a ser preenchido por aprendizes e estudantes, algumas até liderando na frente da fila. O lado bom disso é que aquelas bailarinas que passaram a fazer papéis de destaque tiveram uma grande oportunidade de se sobressaírem e mostrarem do que são capazes, e todas elas – alunas, aprendizes e corpo de baile – fizeram um trabalho maravilhoso!


Photo Andrej Uspenski

Liderei a fila do corpo de baile por quase doze anos, e como é difícil! Nós pequeninas costumamos ser as primeiras da fila, carregando a maior responsabilidade. Além de não ter quem copiar, precisamos dar exatamente o mesmo passo todas as vezes, para que as de trás possam prever o quão longe você vai estar e acabarem exatamente em linha reta.


Não se trata apenas de ficar na posição correta e não errar a coreografia. Há muitas maneiras de facilitar a vida das que estão te seguindo, evitando movimentos muito bruscos, por exemplo, ou usando a respiração como forma de indicar quando iniciaremos um movimento ou mudaremos de posição. Nossa visão periférica é aguçada para que nos mantenhamos juntas. Todas devemos nos mover e respirar como uma só, ao mesmo tempo mantendo nossa individualidade e sendo fiéis a nossa essência como bailarinas.


Uma coisa que aprendi, estando nesta companhia há sete anos e meio, é que SEMPRE conseguimos atingir o nível de excelência esperado nos espetáculos. Não importa o que aconteça, mesmo quando nos sentimos longe de estarmos prontos para o palco, há uma certa confiança e união que nos faz ajudar uns aos outros e enfrentar o momento juntos. Quando sentimos que algo não está saindo bem quanto deveria, mesmo que não haja tempo suficiente para correções no final de um ensaio (o que geralmente acontece), tentamos solucionar o problema entre nós, bailarinos.


Sempre damos o nosso melhor, não importa as circunstâncias e, de alguma forma, quando a cortina se abre, eu tenho a certeza de que somos profissionais incríveis, prontos para qualquer desafio!


Ultima apresentação em 2022.

Apenas alguns dias antes da noite de abertura do Lago, a Rússia declarou guerra contra a Ucrânia, nos deixando em estado de choque e pânico. A maioria de nós nunca passará por uma guerra e nunca entenderá de verdade seus efeitos devastadores, mas desta vez ela nos atingiu um pouco mais perto. Conheço várias pessoas cujas vidas de pais e irmãos estavam em perigo, e senti que não podia fazer nada além de mostrar meu apoio. Nossa orquestra tocou o hino nacional ucraniano, e a noite de abertura acabou sendo ainda mais significativa.


Certo dia convidei Zoriana , uma moça muito querida que me ajuda com as tarefas da casa de vez em quando, para assistir a uma das matinés do Lago. Ela é ucraniana, mora em Londres com o marido e seus dois filhos, e nunca tinha visto um balé. Achei que seria um gesto simpático e consegui arranjar-lhe um bilhete.


No fim da apresentação, meu telefone não parava de vibrar, me alertando das mais lindas mensagens...


"Visitei o paraíso."

'Isabella, não achei que fosse ser tão bonito.'

‘Simplesmente não consigo encontrar as palavras.’

"Muitas emoções positivas."

É por isso que fazemos o que fazemos, pensei. Eu me sentia tão grata por poder dar a ela essa alegria e fazê-la esquecer da nossa dolorosa realidade. Nesses momentos, sinto que nosso trabalho faz a diferença. A ARTE é importante! Podemos ajudar a tornar o mundo um lugar melhor.


Algumas semanas depois, quando o Lago dos Cisnes voltou pela segunda vez na temporada, fizemos uma apresentação especial de arrecadação de fundos que gerou £267.000 de um total de £ 456.500 para o Disasters Emergency Commitees Ukraine Humantarian Appeal.


Photo by Grace Filmer.

Para mim, O Lago dos Cisnes foi o que mais exigiu força e trabalho nesta temporada, embora houvessem muitas outras apresentações importantes e emocionantes acontecendo. Solo Echo, de Cristal Pite, foi um dos três trabalhos contemporâneos apresentados em nosso primeiro mixed programme, um balé que eu amo. Atraves de seus trabalhos, sinto algo como espiritual que me conecta com cada bailarino no palco e me torna consciente de quão especial é a nossa profissão. Não tivemos tempo de nos aprofundar na coreografia porque estava sendo revivida ao mesmo tempo que Lago, mas todo o trabalho feito na temporada passada nos preparou tão bem que apenas tivemos que usar nossa "memória muscular" para trazê-lo de volta ao corpo e revivê-lo.


Os ensaiadores Eric e Deidre nos deram espaço para ouvir e respeitar nossos corpos, fazendo o máximo ou o mínimo possível nos ensaios, o que torna o processo de ensaio muito mais fácil, eficiente e agradável. Ao contrário de penas e leveza, o trabalho de Pite é pesado e grounded, trabalhando com tensão e forças opostas, mas tudo isso de alguma forma ajuda a me sentir livre na minha técnica clássica.



O segundo mixed programme trouxe de volta três balés de Frederich Ashton. A música de Stravinsky é tão inesperada que sinto que não posso parar de conta-la nem por um segundo em Scène de Ballet. Qualquer erro mínimo de contagem pode causar desastre numa coreografia que é tão precisa, detalhada e exposta, com mínimo de cenário e tutus muito elegantes.


A Month in the Country é um balé narrativo dos anos 70, e um dos últimos trabalhos criados por Sir Frederick Ashton para o Royal Ballet. Alguns anos atrás, aprendi o papel de 'Vera', e estava mais que ansiosa para interpretá-lo. Ela é cheia de charme e personalidade! Seus passos falam por si só, mas tentei ao máximo ser dramática e atuar como uma pirralhinha! Eu tinha duas apresentações, mas infelizmente o covid me tirou uma delas. Mesmo assim, lutei para voltar a tempo de fazer a minha estreia.



E por último na temporada, chegamos ao novo balé Like Water for Chocolate (Como Agua para Chocolate) de Christopher Wheeldon, um balé de três atos que teria sido estreado em 2019 se a pandemia não tivesse nos interrompido. Durante o lockdown, pude me familiarizar com a história, baseada num clássico moderno da escritora mexicana Laura Esquivel. Li o livro e também assisti ao filme.


Tudo nesta história me pareceu diferente do que se espera de um balé. Ela se passa no México nos anos 50, um belo romance onde os sentimentos de Tita, a personagem principal, são transmitidos através de sua comida! Eu me perguntava como iriam transformar isso em dança?! Mas os poderes criativos de nosso time de produção são realmente geniais, e fizeram desse livro um espetáculo!


Bailarinos com Chris Wheeldon, Alondra de la Parra (maestra) e escritora Laura Esquivel.

A personagem que estaria representando era ' Chencha ', uma ajudante domestica e amiga das três irmãs. No balé, ela está em praticamente todas as cenas de familia, e meio que se tornou a portadora de más notícias, indo e vindo dizendo que este morreu, ou aquele morreu... Se houvesse um oscar de balé, acho que poderia estar concorrendo a 'melhor atriz coadjuvante' (hehe).


Mesmo com os ensaios me parecendo um pouco frustrantes, pois eu lidava com muitos objetos e peças de cenário e sentia não estar dançando tanto, pude ver o quão importante era a 'Chencha' em conectar as cenas e fazer o enredo fluir. Às vezes, o que nos parece insignificante pode desempenhar um grande papel no desenrolar da historia, e fazer toda a diferença ao publico que a esta interpretando.


'CHENCHA!'

Quando você faz parte da criação de um novo bale, você está ali testemunhando, aprendendo e emanando cada movimento do coreógrafo, sabendo exatamente os passos (na maioria das vezes) e a intenção por trás deles. Você se torna um instrumento de sua visão artística. Ser bailarino significa desenvolver os papeis, da-los vida!

Essa temporada foi sobre ser grata, viver a vida com graciosidade, e aproveitar ao máximo cada papel, grande ou pequeno, vê-los como uma ferramenta de desenvolvimento do meu eu artista, mas principalmente do meu eu humano. Foi sobre comemorar cada conquista, especialmente aquelas que estão longe dos olhos do público.

Uma das minhas maiores conquistas nesta temporada foi ter trocado minhas sapatilhas de ponta. Sei que parece uma coisa tão pequena, e que a maioria nem notaria, mas na verdade faz toda a diferença, desde a maneira como subo na ponta e encontro meu eixo, até quão leve me sinto ao saltar e quão elegante me parecem nos pés. Desisti tantas vezes no passado, pois priorizava conforto e segurança e achava que nunca era o momento ideal, e por 15 anos não me senti completamente satisfeita.


Mas como sempre digo, há um momento certo para tudo. Uma vez que estamos prontos para uma mudança e preparados para passar pela zona do desconforto, sabendo que no fundo nos tornaremos mais felizes, tudo vale a pena! Com um objetivo e foco em mente, podemos alcançar qualquer coisa! Se tivermos muita paciência e fé, nos tornaremos mais fortes com os obstáculos que atravessamos e lições que aprendemos, e leve o tempo que for, o que importa não é o destino final ou o quão rápido o atingimos, e sim o quanto aproveitamos do caminho.


Photo © A Uspenski

Descubra mais...


Um blog sobre Solo Echo que escrevi em junho 2021


Um blog sobre as sapatilhas de ponta (de april 2021)

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