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Agarrando oportunidades

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Há três semanas atrás, o Royal Ballet chegou ao fim de sua temporada de 2020/21. Quando as cortinas se fecharam em nossa última apresentação, tive uma estranha sensação de alívio. Não foi aquela emoção costumeira de ter chegado ao final de uma longa e dura temporada ou de finalmente estar entrando em férias, mas sim um sentimento de gratidão por ter chegado a este espetáculo depois de um ano tão maluco, e apesar de tantas incertezas. Os fãs de balé continuaram a postar fotos e vídeos dos nossos agradecimentos no palco, comentando sobre como a companhia estava maravilhosa e como eles se emocionaram ao voltar ao teatro. Também me emocionei muito e não poderia estar mais feliz por ter recebido pelo menos quarenta por cento da plateia de volta, o limite estabelecido pelas regras de distanciamento social impostas pelo governo.


O Royal Opera House, nossa casa.

Da perspectiva de um artista, ser capaz de se apresentar novamente significou ganhar a vida de volta. Lembrei-me do porquê faço o que faço todos os dias, do treinamento e ensaios necessários para que possamos nos sentir preparados para estar sob os holofotes, e de como dançar nos faz sentir tão vivos. Para mim, subir ao palco sempre foi tão emocionante quanto assustador, um mix de emoções.


Cada vez que subo ao palco, sinto pôr ao teste minha fé e coragem. Houveram tempos em que a ansiedade e nervos me fizeram duvidar se poderia realmente me soltar, curtir o momento. Mas de repente, nestes últimos meses, talvez porque tenha atingido um certo nível de maturidade e autoconhecimento, aceitação de quem sou e de minhas vulnerabilidades, ou por ter sentido saudades do palco ... acho que muitas coisas me levaram a deixar o medo de lado e me entregar a essa adrenalina que está sempre presente, não importa por quantos anos você venha se apresentando.


Princesa Florine © A. Uspenski

Há duas coisas que aprendi com a vida. 1. Nunca tome nada como certo. E 2. sempre olhe ALÉM de seus pequenos infortúnios para as oportunidades que possam surgir. No final das contas, muitas coisas boas podem acontecer por causa de desvios inesperados e porque nos damos uma outra chance. Mesmo enquanto dançávamos sob máscaras e lutávamos com o sistema de som e as telas no estúdio, estávamos aumentando nossa resistência e aprendendo a cuidar de nós mesmos. Apesar do número bem limitado de espetáculos, tivemos a oportunidade e tempo de trabalharmos em um novo estilo de coreografia e movimento como em Solo Echo de Crystal Pite, fazendo dessa, para mim, uma temporada especial.



Há exatamente setenta e cinco anos atrás, após a Segunda Guerra Mundial, o Royal Ballet reabriu seu teatro com uma apresentação de A Bela Adormecida. Tornou-se uma das obras mais marcantes da companhia, remontada a cada dois ou três anos. Em comemoração aos 90 anos do Royal Ballet, encerramos o último espetáculo da temporada dando ao público um gostinho desse balé favorito: seu terceiro ato, o casamento de Aurora.


Principe Florimund (Michael Somes) e Aurora (Margot Fonteyn) em 1959.

Eu não esperava fazer nada além de uma das irmãs de Florestan num pas de trois, mas certa tarde, quando anotava meus ensaios para a semana seguinte, inesperadamente descobri que estava sendo chamada à algo intitulado somente ‘A Bela Adormecida', com um único parceiro. Pensei comigo mesma ... o que poderia ser isso?! Enviei uma mensagem para o Phil, nosso gerente de agendamento de ensaios, que me deu a boa notícia:


“Pássaro azul”.


Aos 14 anos, fiz a variação da Princesa Florine em uma competição no Brasil. Lembro-me de estar preocupada com os desafiadores saltinhos na ponta para o arabesque, com segurar todos os balances, e especialmente aflita com uma diagonal de giros. Desta vez, ao dançar o grand pas de deux de Pássaro Azul e me sentindo convidados especiais da princesa Aurora, posso dizer que me diverti e que estava apenas contando uma história. A Florine não é um pássaro como eu havia imaginado alguns anos atrás. Ela é uma princesa que quer aprender a voar!


Princesa Florine - 2002
Royal Ballet 2021.
'Se você não pode contar uma história, então não vale a pena estar no palco.' - Margot Fonteyn

Meu partner Joonhyuk Jun, um artista da companhia e o primeiro bailarino coreano a ser contratado, estava muito animado com seu primeiro grande papel. Os ensaios iam muito bem, estávamos felizes com as chamadas de palco e prontos para nossa estreia, mas na véspera da noite de abertura, Jun foi pego de surpresa ao precisar se isolar, devido a um caso de Covid em um dos grupos de ensaio em que participava, e ao término deste não havia como se preparar para a apresentação. E então, acabei dançando com um partner diferente, o Joe Sissens.

Joe fez um trabalho estupendo reaprendendo o papel. Tivemos dois ensaios juntos, nunca havendo nos tocado antes (de que me lembre, nem mesmo em outros balés), e lá fomos nós. Ele foi o exemplo perfeito do que significa ‘agarrar uma oportunidade' em nossa profissão. Curti muito nossas apresentações, principalmente minha estreia, mas fiquei bastante chateada com Jun, que havia perdido sua chance.



Bem, no final das contas, fui chamada ao escritório do diretor uma manhã. Perguntaram se eu estaria disposta a fazer mais algumas apresentações de Pássaro. Um bailarino escalado para o papel de Bluebird não estava apto para dançar devido a uma lesão, e então Jun teve sua segunda chance. Como eu era sua parceira, aproveitei a oportunidade também! Fiz mais duas apresentações, e ele finalmente teve uma emocionante estreia.

Substituições de última hora acontecem o tempo todo no mundo do balé.Elas podem ser uma bênção, mas também uma surpresa indesejável se a temporada tem sido difícil e você se sente sobrecarregado, pois significa que precisará trabalhar bem mais do que o previsto, tendo menos (ou nenhuma) noites de folga e considerável menor tempo para descanso e recuperação, o quepode causar fadiga e lesões. Mas desde que a carga de trabalho seja bem administrada e ninguém se machuque, é uma oportunidade maravilhosa de fazer mais apresentações e se sentir confortável em um papel; de crescer, melhorar, e ser notado.



Ao mesmo tempo em que fazia mais Florines, também peguei mais alguns espetáculos como irmã de Florestan, o que significou estar no espetáculo transmitido ao vivo. No fim, dancei com dois elencos diferentes também. Na noite anterior à filmagem, havia dançado como Princesa Florine e meus músculos ainda se sentiam cansados e doloridos. Teria apenas uma noite depois da filmagem para me recuperar e fazer minha ultima apresentação como Florine.


Que pique para terminar o ano! Serviu bem como um lembrete de como as nossas temporadas costumavam ser ... e do trabalho que vem pela frente! E isso tinha sido apenas um dos atos de Bela, nem mesmo os três!


Florestan pas de trois © A. Uspenski

Uma temporada completa geralmente começa em agosto, com ensaios e preparativos para apresentações que duram de setembro a junho, culminando em uma turnê ao exterior. Toda a companhia aguarda com expectativa as turnes internacionais, semanas de diversão e boas memórias que tanto nos fazem falta. Elas nos dão a chance de visitar diferentes países, de dançar frente a um novo público, passear, e comemorar em eventos de primeira. São uma oportunidade de nos sentirmos mais próximos e nos divertirmos.

Esse ano teríamos feito uma grande turnê pelos Estados Unidos, o que obviamente não pôde acontecer. Ao invés de planejar estender minha viagem para a Califórnia ou Nova York, me perguntei que tipo de férias teria, especialmente por não poder visitar minha família no Brasil por causa das restrições de quarentena no Reino Unido. O que fazer durante as quatro semanas que tínhamos de folga, presa aqui no Reino Unido, e como fazê-las valer a pena? Mal sabia eu que este ainda não seria o verão mais comprometido que já tive!


Ultima turnê em 2019, no Japão.

No início de junho, fui abordada por Hikaru Kobayashi, ex-bailarina do Royal Ballet, perguntando quais eram meus planos para o verão; ela estava organizando uma pequena gala em Valência. Agarrei a oportunidade imediatamente, pensando que esta poderia ser minha primeira vez me apresentando em uma gala com outros membros da companhia. Além disso, poderia trabalhar em outro grand pas de deux e, ao mesmo tempo, visitar a Espanha! Se fosse qualquer outro ano, teria dito "desculpe, mas não posso. Estarei no Brasil."

Engraçado como as coisas se encaixaram perfeitamente. Isso não significa que Hikaru não teve noites de insônia e ansiedade programando nossa jornada, mas muitos testes de Covid e formulários obrigatórios depois, onze bailarinos partiram para Valência!! Pude curtir o sol, um pouco de praia e piscina, uma tarde na cidade velha, e trabalhar muito à noite. A apresentação começou não antes das 22: 00h, e quando finalmente chegou o momento, me diverti muito dançando o pas de trois de Le Corsaire e ‘Short Stories com Sibelius’, coreografado pelo bailarino e colega Benjamin Ella.



Após o espetáculo, pudemos sentir o amor e carinho do público quando vieram nos parabenizar. Senti-me tão em casa que pude dar tudo de mim no palco, sem medo, sem pressão, sem nada a perder. Estava lá pela experiência, mas ganhei muito mais. Ver os jovens bailarinos da companhia realizando pas de deuxs desafiadores com tanta confiança e habilidade foi inspirador. Que grupo talentoso! Eles aproveitaram o momento e dançaram lindamente em uma atmosfera feliz e acolhedora.


Bailarinos do Royal Ballet com Hikaru. Fotos: Monica Lou.

Não dormi nada naquela noite. Após comemorar o evento com meus amigos, um táxi levou-me ao aeroporto para um voo de madrugada com destino a Menorca, onde aproveitei um tempinho para mim, agradecida por todos os momentos e oportunidades a que tinha dito SIM este ano. Antes de dançar na Espanha, havia sido convidada a dar aulas de balé para adultos em Londres, o que foi também uma experiência maravilhosa. Mas o mais notável de tudo ainda estava por vir ...


DPK Ballet no The Place - Londres
Fim de semana em Menorca #solotrip

Desde que deixei o Northern Ballet, há sete anos, tive vontade de voltar e me apresentar como convidada. Quando soube que David Nixon estaria prestes a renunciar ao cargo depois de dirigir a companhia por 20 anos, pensei que fosse tarde demais. Em maio, fui assisti-los dançando Dangerous Liaisons em Sadlers Wells, produção da qual participei há um tempo atrás, e ao revê-lo, expressei meu amor e admiração por ele e por seu trabalho.

Um mês depois, recebi um convite para dançar com o Northern Ballet como Madame de Tourvel em Dangerous Liaisons. Fiquei emocionada! Com o consentimento do meu diretor, não hesitei em dizer sim. E assim, na minha quarta e última semana de férias, estarei ensaiando em Leeds com meus antigos colegas de trabalho e matando as saudades do lugar onde minha carreira começou. As apresentações acontecerão de 2 a 11 de setembro no West Yorkshire Playhouse, onde dancei pela última vez em 2012 na produção de Ondine.


Beatrice em Ondine © Martin Bell

Que maneira de passar minhas férias! Por mais complicadas que as circunstâncias possam parecer, sempre há algo que se pode aprender e alcançar se estivermos abertos a novas oportunidades. Posso não ter voltado para casa como desejava, para minha família que sei que sente muito a minha falta (assim como sinto a sua), mas não poderia ter pedido por uma reviravolta mais agradável. Carrego uma bagagem cheia de boas lembranças dessas férias agitadas, mas gratificantes!


Royal Opera House. Photo: Rob Sallnow

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