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'Bem-vinda ao Royal Ballet!'

Não foi fácil costumar-me com o ritmo de vida de um bailarino do Royal Ballet. Quando entrei na companhia, o que mais me impressionou foi a quantidade de ensaios acontecendo em um único dia. Como conseguiam acompanhar essa mudança rápida no repertório e ao mesmo tempo criar novos balés para as próximas temporadas? Aqui no Royal, o tempo parece voar. Às vezes até sinto que estou vivendo em piloto automático. Antes que perceba, outro mês se passou e quando olho para trás, fico surpresa com o quanto conseguimos fazer em tão poucas semanas!


Cada companhia possui um ritmo e agenda, dependendo de quantas apresentações e produções fazem por ano, quantos estúdios, se têm um teatro principal ou se fazem turnê, qual o número de bailarinos, etc. Adaptar-se a uma nova rotina e estilo de vida não é fácil, mas uma coisa é certa: não importa em qual cia de balé você esteja no mundo, seu dia sempre começará com uma aula ou aquecimento.


A aula de balé é o nosso treinamento diário. Ela não apenas nos prepara para o dia, mas também nos permite conectar-se com nossos corpos, trabalhar nossa técnica e focar no que sentimos que precisa ser aprimorado.

Gosto de chegar cedo ao trabalho e ter tempo para me aquecer antes da aula, na academia ou em sala de aula, fazendo bicicleta ou me alongando, massageando as pernas em um ‘foam roller’ se me sinto dolorida e cansada. Depende de como meu corpo se sente e do que dancei na noite anterior. Às vezes, alguns minutos a mais de sono é mais benéfico do que qualquer coisa. Também posso começar o dia com uma sessão de fisioterapia ou com um instrutor de Pilates. As instalações do Healthcare Suite nos dão a oportunidade de encontrar o que funciona melhor para nós em termos de suporte ao treinamento diário de balé, seja girotonica ou Pilates ou uma sessão de condicionamento para fortalecimento e em casos de reabilitação. Cada bailarino é diferente e sabe o que mais o ajuda.


Bailarina no Healthcare Suite.

Nossa semana pode começar com um ensaio às 10h45, o que significa que a aula teria sido às 9h30. Isso geralmente ocorre uma semana antes da abertura de cada produção, o balé completo já tendo sido ensaiado no estúdio. Antes de uma noite de abertura, essas chamadas matinais devem ser com figurino, maquiagem e cabelo. É preciso chegar bem cedo no teatro, entrar em pleno ritmo e estar pronto para o ‘rock and roll’! (como diz nosso professor).


Quando o ensaio de palco termina, estamos de volta aos estúdios ensaiando outro ballet, talvez duas ou mais coisas que virão no repertório. Todos temos nossos horários individuais para ensaios e compromissos, provas de figurino, etc. Você pode estar tendo um dia tranquilo, terminando no início da tarde (que LUXO!), enquanto seu colega está fazendo um ensaio atrás do outro sem tempo adequado nem para o almoço.


O cronograma de apresentações no Royal Ballet nos mantém MUITO ocupados! Varia de temporada a temporada, mas fazemos cerca de 12 produções por ano; uma mistura de balés completos, repertórios mistos e novas montagens. É incrível dançar um repertório tão variado. Temos muita sorte de poder fazer os grandes clássicos, assim como os dramáticos balés de Sir Kenneth MacMillan e os cômicos de Sir Frederick Ashton (renomados coreógrafos ingleses), e ter nossos próprios coreógrafos residentes além daqueles convidados. Impossível ficar entediado!


Acredito em média termos 130 apresentações por ano no palco principal, sem mencionar o que acontece no Linbury Theatre e em outros eventos do Opera House.

Quando um balé já está no palco, não significa que deixamos de ensaiá-lo. Geralmente, existem elencos diferentes para cada papel e, portanto, devemos ensaiar uma determinada parte até que chegue nossa vez de apresenta-la, e continuar ensaiando mesmo que ja tenhamos tido alguns espetáculos para não perder a resistência e lembrar de todos os detalhes. Isso quer dizer que os balés se sobrepõem em nossa programação. Podemos ensaiar três a quatro balés em um único dia, e dançar um diferente à noite. Nos quinze minutos de intervalo entre ensaios, relembramos os passos de uma coreografia nova, comemos um snack, vamos ao banheiro, decidimos quais sapatilhas usar, pegamos nosso tutu no andar de baixo e corremos entre um estúdio e outro, o que é fisicamente e mentalmente desgastante!


Artists of the Royal Ballet
Em ensaio de La Bayadére, Nov 2018 © Bill Cooper
Com experiência, você aprende a dosar sua energia, especialmente em períodos em que a carga de trabalho é pesada.

Embora sinta-se decepcionando se não fizer 110% de esforço em todos os ensaios, há dias em que é preciso "priorizar" ou "selecionar" de alguma forma; senão, na hora do evento principal (a apresentação!), estará exausto antes mesmo da cortina se abrir. Foi difícil superar essa mentalidade de tentar provar a mim e aos outros de que posso aguentar qualquer coisa, mas entendi que 'pegar leve' em um ensaio não é sinônimo de fraqueza ou preguiça, é uma questão de sobrevivência! Em tempos malucos, tento tirar o máximo de proveito das minhas pausas e intervalos do dia para descansar e relaxar. Acho importante encontrar um momento para mim. Saio para tomar um pouco de ar fresco e saborear uma xícara de café com bolinho, ler um livro, ou estudar.


No Royal Ballet, é possível estarmos ensaiando até duas horas antes do inicio de um espetáculo. Algumas noites, mal tenho tempo para comer e recuperar o fôlego. Quando olho no relógio, já é hora de começar a fazer a maquiagem. Gosto de me aprontar cedo, de me aquecer lentamente. Sempre vou para o canto de uma sala fazer minha barra antes de vestir o figurino e meu adereço. Desço para o palco com tempo suficiente para praticar alguns passos, fazer uma marcação no espaço, lembrar de correções e visualizar como quero que corra minha apresentação. Esse 'ritual' me acalma, foca minha mente. Quando me sinto menos ansiosa, não preciso de tal preparação. Esta varia de acordo com o repertório, mas tudo se resume a dar o melhor de mim para o público.

Not bastidores, antes de Concerto @theroyalballetstyle

Estou nessa montanha-russa que compõe o dia-a-dia do Royal Ballet há seis anos, e admiro muito aqueles que dedicam uma vida toda a esse lugar. Esse nível de resistência física e mental é algo que não havia previsto, mas que aprendi a encarar. Ser bailarino profissional requere aprender a dosar energia e esforço para que possa se apresentar no nível mais alto. É como dançar um balé de quatro atos; encontramos momentos para respirar e 'descansar' no palco para chegarmos inteirinhas até o final, e repetir tudo no dia seguinte.


Muita coisa acontece antes que a cortina se abra, mas no fim do dia, o que realmente importa é aquilo que oferecemos ao publico.

As vezes me pego reclamando, por cansaço ou puro mal-humor. Quem não gosta de reclamar de tudo?! Mas... tendo percorrido um longo caminho para chegar até aqui, posso apreciar cada momento de estar neste teatro como algo muito especial. A reação que recebemos da platéia nos agradecimentos, flores recebidas dos fãs e da família, e a chuva de elogios pelas redes sociais fazem tudo valer a pena. Mas nada disso importaria para mim se não me sentisse feliz e não tivesse uma sensação de paz interior, como se estivesse cumprindo minha missão. Definitivamente não é uma carreira fácil, mas é muito gratificante. É um preço alto a pagar se não aproveitarmos todo o processo, desde nos posicionarmos a barra de manhã até aquele agradecimento final.



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