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Confie no seu caminho: minha trajetória ao Royal Ballet


O Lago dos Cisnes © Bill Cooper

Comecei meu treinamento de balé na escola de minha mãe, o Ballet Marcia Lago, em São Paulo. Quando tinha onze anos, comecei a perceber que realmente gostava de dançar e que as pessoas viam algo especial em mim. Acabei nas mãos de uma rigida professora japonesa, Toshie Kobayashi. Meu avô costumava me buscar na escola e atravessar a cidade para vê-la, uma jornada de duas horas, enquanto eu almoçava no carro, arrumava meu cabelo e às vezes até me trocava agachada no chão no banco de trás. O tempo no estúdio com ela foi tão intenso e significativo que, embora eu fosse pequena, ainda me lembro vividamente. Passávamos horas ensaiando uma única variação. Participei de muitas competições de dança, pois era a única maneira de estar no palco. Naquela época, não havia perspectivas de eu ingressar em uma companhia de ballet no Brasil. Eu simplesmente não conhecia nenhuma, só ouvia falar de companhias americanas ou européias, então sabia que algum dia teria que me aventurar. Mas como?


Aos quatorze anos, o balé para mim significava ir de festival a festival. No começo, eu curtia a experiência de estar no palco, mas logo meu objetivo principal se tornou ganhar. Não era mais tão divertido, eu sofria muito com a ansiedade. Estava ficando cansada de tudo, mas minha mãe e D. Toshie não viam outra maneira de me impor novos desafios. Foi quando, sem o nosso conhecimento, uma gravação de minha variação foi enviada para o YAGP em Nova York e fui aceita para a final. Estava tão emocionada por participar de uma competição internacional, com crianças do mundo todo, que larguei de todas as minhas expectativas. O que mais desejava era fazer o meu melhor, e para minha surpresa, além de ganhar medalha de ouro eu recebi bolsas de estudo em quatro das principais escolas de ballet, uma delas a Royal Ballet School!

O Royal Ballet sempre foi meu sonho. Não me pergunte o porquê. Não me lembro de assistir particularmente a nenhum vídeo do Royal Ballet além de uma cena do balcão de Romeu e Julieta com dois bailarinos do Royal, Wayne Eagling e Alessandra Ferri. Ela se tornou meu ídolo. Claramente, a escola teria sido a maneira mais direta de entrar para a companhia? Bem, não seria assim tão simples. Como eu era muito jovem e temia sentir muita saudade de casa, meus pais acharam melhor me enviar para Toronto, onde tinham amigos que poderiam ficar de olho em mim (descobri também que o clima politico na Inglaterra também influenciou na escolha de meus pais). Além disso, ouvimos excelentes comentários sobre a Escola Nacional de Ballet do Canadá.



Não foi uma decisão fácil de tomar. Nunca me vi saindo de casa, mas se eu realmente queria ser uma bailarina, sabia que essa seria minha melhor chance. Agarrei a oportunidade com todo o meu coração e, novamente, eu só queria fazer valer a pena. Assim que completei quinze anos, saí de casa. O idioma, diferenças culturais, as saudades ... superei lentamente todas as barreiras. Os primeiros anos foram os mais difíceis, mas apesar das saudades de casa, tive a sensação constante de que era isso que eu precisava fazer para me tornar uma bailarina.


O ano de formatura chegou e eu não tinha feito muitas audições, especialmente não aquela que eu tanto sonhava em Londres. Fiquei mais um ano na escola fazendo um programa intensivo de treinamento. Minha primeira audição para o Royal Ballet foi em abril de 2007, e lembro de sentir que aquele era um mundo desconhecido e intimidante. É claro que a decepção veio quando soube que não havia um lugar para mim, pelo menos não ainda. Passei uma semana em Londres, tendo aulas aqui e ali e conhecendo a cidade. Sim, era ali mesmo que queria morar! Eu tive essa certeza e me agarrei a isso.


Ensaiando Dangerous Liaisons com NBT.

Olhando para trás agora, percebo que não me vi fazendo parte da companhia. Senti-me despreparada, talvez não tao confiante em minhas habilidades? O Northern Ballet, por outro lado, fez eu me sentir em casa. O processo de audição decorreu sem problemas. Eu gostei da atmosfera da companhia e até poderia dizer que me diverti nas aulas, mesmo sabendo que estava sendo observada de perto. Só recebi resposta meses depois de que havia ganho um contrato como corpo de baile.


O Northern Ballet (N.B.Theatre na época) era uma companhia menor, com menos de cinquenta bailarinos. Tive a oportunidade de desempenhar tanto os papéis de corpo de baile quanto os de destaque. O melhor de tudo é que a companhia apresentava muitos balés narrativos, que eu tanto amava. O treinamento era rigoroso mas tendo ingressado diretamente da escola, era disso que precisava. Esperavam que os bailarinos captassem todos os detalhes da coreografia e aprendessem rapidamente, reforçando a disciplina. Sempre tive medo de ser responsável pelo meu próprio treinamento, de criar maus hábitos. Você pode "se perder" em uma grande companhia, sem saber como se manter motivado. Pelo menos ali eu estava sendo desafiada.

Depois de cinco anos de muitas viagens (o Northern Ballet se apresenta em turnê grande parte do ano), algo começou a despertar em mim. Eu me perguntava se estava mesmo feliz ou se permanecia ali por ser um emprego seguro e estável. Mas e os grandes clássicos que sempre quis fazer, como A Bela Adormecida ou O Lago dos Cisnes? O que mais haveria por ai afora? As turnês estavam me cansando, o repertório ficando repetitivo. Minha alma chorava por mais.


Levei algum tempo para finalmente criar coragem de pedir demissão. Seis anos haviam se passado desde a minha primeira audição no Royal Ballet. Decidi entrar em contato novamente e tive a sorte de ter uma segunda chance. Meu coração estava cheio de esperanças, pensei que minhas chances haviam aumentado pois agora tinha alguma experiência profissional e me sentia mais forte tecnicamente. Mais uma vez me disseram que não havia contrato algum, e que os contratados vinham somente da escola afiliada, o Royal Ballet School. Não havia nada que eu pudesse fazer além de aceitar e encontrar alternativas.


Fiz algumas audições na Alemanha, mas nenhuma foi bem sucedida. A maioria das companhias falavam que eu era muito baixa, nem sequer me davam uma chance. O English National Ballet me contratou temporariamente para dançar O Lago dos Cisnes no Royal Albert Hall. Fiquei esperançosa de ser contratada em período integral após as apresentações, mas não foi o caso. Eu queria muito ficar em Londres onde poderia fazer audições mais facilmente, então tentei o New English Ballet Theatre que faria uma Gala no Linbury Theatre, um pequeno teatro dentro da Royal Opera House. Bingo! Eu estaria dentro daquele prédio, e isso para mim era progresso!


Kreutzer Sonata com Valerio Polverari, Linbury Theatre.

Tive que focar nos pontos positivos. Era verão, eu ainda estava em Londres e com um emprego! Dias de sol e calor. Embora a incerteza do meu futuro me assustasse, abracei minha nova vida de 'freelancer'. Eu nunca me senti tão independente e tão esperançosa que as coisas dariam certo. Mais do que tudo, sentia-me orgulhosa da minha decisão de assumir a responsabilidade pelo meu próprio destino.


Fiz amigos incríveis na NEBT e curti ter mais tempo de folga. Criei novos hábitos, como passear no parque e nadar, e fingia estar interessada em ingressar em uma academia apenas para obter passes gratuitos. Lembro-me de estar passeando um dia no St James Park e de repente pensar ... e se alguém do Royal Ballet estivesse assistindo a Gala no Linbury? E se eles me vissem no palco e pensassem ...'esta menina é muito talentosa’! Fiz algo completamente fora da minha personalidade. Enviei espontaneamente um e-mail a direção do Royal Ballet, um pequeno lembrete de que eu existia. Disse que se por acaso assistissem a essa gala, eu estaria representando o papel principal em Kreutzer Sonata. Disse a mim mesma: ‘Essa será minha verdadeira audição. Preparem-se!'


Talvez este e-mail tenha sido o meu golpe de sorte? Nunca saberei ao certo. No dia seguinte à gala, voltei ao Brasil pensando em ficar com a minha família por um tempo. Afinal, passaram-se dez anos! Não queria me contentar com nada menos que o emprego dos meus sonhos. Se minha carreira como bailarina terminasse ali, que assim o fosse. Não estava desistindo, apenas aceitava que, por enquanto, havia feito tudo ao meu alcance. Estava aberta e atenta às mudanças de situação, deixando a vida me levar ao invés de tentar controlá-la, e acho que o destino seguiu seu curso. Um mês depois, fui chamada de volta a Londres para me apresentar na produção de O Quebra Nozes do English National Ballet. Arrumei as malas correndo e voltei a Londres, aprendendo uma coreografia complicada de flocos de neve por video no avião. Literalmente após uma semana, recebi um e-mail do Royal Ballet. Gostariam de saber se eu ainda estava disponível para um contrato de três meses, pois precisavam desesperadamente de uma bailarina extra (e experiente) para suas apresentações de Giselle e A Bela Adormecida. E aqui estou, seis anos depois!



O que aprendi ao longo dos anos é que a vida nunca está contra você. Tudo o que acontece, acontece por uma razão. Tudo o que eu precisava saber eu aprendi em cada uma das etapas de minha jornada.


Eu poderia ter aceito a bolsa de estudos do Royal Ballet School, talvez tivesse sido um caminho mais curto, mas talvez não tivesse suportado ficar longe de casa sem o apoio de amigos e professores incríveis como os que conheci em Toronto. Agora percebo que o Northern Ballet foi o melhor lugar para que pudesse amadurecer e me desenvolver no meu próprio ritmo. Interpretar papéis se tornou um dos meus pontos fortes como artista. Mais importante ainda, aprendi que a disciplina é essencial e que não existem papéis pequenos. O Northern Ballet me tornou eficiente em aprender coreografias e captar detalhes mínimos, O Lago dos Cisnes do English National aprimorou essas habilidades, colocando-me em uma posição diferente de corpo de baile a cada dia, o que me preparou para agarrar “A maior oportunidade da minha vida”. Eu provei meu valor e me tornei um elemento confiável para o corpo de baile do Royal Ballet. Precisavam de alguém com experiência, pronta para preencher quaisquer lacunas, e lá estava eu, no lugar certo e na hora certa. Isso foi sorte? Acredito que não.


Também percebo cada vez mais que, quando não criamos expectativas e realmente dançamos com o coração, pensando não tenho nada a perder! , é quando seu eu interior pode brilhar! Sendo escolhida como 'aprendiz' dos papéis de destaque e, por sorte ou mérito, conseguindo realizá-los, e mostrando boa ética e profissionalismo no trabalho, eu escalei ainda mais alto. Quando me sentia ansiosa, minha mãe estava sempre lá para me lembrar: 'Seja você mesma.' Foi assim que me tornei solista do Royal Ballet.


Les Patineurs © Royal Opera House

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