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O que nos motiva a continuar

Há um ano atrás, comecei este blog pensando que haveriam muitas experiências enriquecedoras no teatro ao longo da temporada sobre as quais eu poderia escrever. Algo sobre apresentações, ensaios, como é dançar e sentir-se exausta após horas de trabalho no estúdio, algo sobre o processo criativo de um balé, uma introspecção em meu malabarismo habitual de atividades. Mas esta tem sido a mais estranha das temporadas, o teatro está vazio e ainda espero ser capaz de colocar em palavras como minha vida é, de verdade, no auge de uma temporada agitada.

Ainda bem que também imaginava escrever sobre a minha jornada. Ao longo de trinta e quatro postagens, contei toda a minha história, desde bailarina bebê até como acabei morando em Londres e entrando no Royal Ballet, mas agora estou ansiosa por tempos melhores para que eu possa escrever detalhadamente sobre tudo o que minha vida atual envolve, especialmente como é fazer parte desta companhia quando ela está funcionando a todo vapor. Estamos sempre trabalhando para algo, nos preparando mental e fisicamente para o que está surgindo em nosso repertório, querendo dar o nosso melhor em um novo papel ou numa estreia de um novo balé, e agora que a chance de se apresentar nos foi tirada durante a maior parte do ano, haveria um propósito para virmos fazer aula todas as manhãs e trabalharmos duro continuamente? Quais são os principais fatores motivadores do nosso trabalho?


Swan Lake © Bill Cooper

Acredito que a apresentação está por trás de cada pensamento e suor de um bailarino. Os desafios que vêm com novos personagens, estreias, criações e as oportunidades que cada novo papel traz é o que nos mantém inspirados, despertando nosso desejo de fazer cada vez melhor. Nessa temporada, no entanto, as aulas de balé foram nosso principal foco e estímulo (onde antes eram apenas um aquecimento para um dia pesado). Tivemos a chance de realmente trabalhar em nossa técnica, mas ao mesmo tempo, é difícil desenvolvermos a resistência e condicionamento corporal necessários para melhorar se não estamos dançando tanto quanto o nosso normal.

Em grande parte do mundo, os bailarinos tiveram que se afastar do palco, nossa principal razão de fazer o que fazemos todos os dias. Por que não tirar umas longas férias (sem ir a lugar nenhum) e esperar até que as coisas voltem ao normal? Quando a perspectiva de se apresentar para um público que não seja a pessoa que está olhando para você no espelho se dissipa, fica difícil não cairmos nas armadilhas de nossa própria autocrítica.


Ballet Marcia Lago © Tomas Kolisch

Motivação é o que te leva a começar. Hábito é o que te mantém seguindo.' (desconhecido)


O balé é muito mais do que se fazer algo por hábito ou rotina. Todos sabem que a dança requer muita prática e que estamos constantemente tentando melhorar. Cada dia no estúdio parece nos dar uma chance de superarmos os próprios limites, como nos esportes ou em treinos olímpicos. Quando se leva um estilo de vida ativo, é muito difícil parar tudo tão repentinamente e apenas “esperar” sem fazer nenhuma atividade ou tentar viver a vida o mais normalmente possível.

Se fôssemos matemáticos trabalhando em uma equação ou contadores lidando com números precisos, terminaríamos o trabalho assim que a matemática fosse resolvida e saberíamos exatamente como chegamos lá. No ballet, no entanto, cada dia traz um conjunto de novos desafios e a fórmula que você pensava ter encontrado para piruetas e equilíbrios perfeitos precisa ser descoberta novamente. Tudo depende de como seu corpo se sente e de seu estado de espírito. Temos regras e diretrizes, mas na prática, tudo leva tempo. Podemos aperfeiçoar nossa técnica a ponto de termos a certeza de que tudo irá funcionar, mas para mantê-la afiada, é preciso um trabalho continuo. (Abaixo: curso com Dna Toshie em Joinville - 13 anos)



Há tantas coisas que podemos pensar em melhorar, mas se focarmos apenas nas nossas falhas e imperfeições, o trabalho fica muito desgastante. Precisamos também valorizar pequenas conquistas e receber elogios. Ouvir um mestre de balé ou colega dizer que melhorei me dá uma sensação muito boa. De repente, parece que meu trabalho não foi em vão.

' Sério?' Tenho vontade de dizer, ' Fico feliz que você tenha notado porque realmente tenho pensado nisso! '

Nosso progresso no estúdio é tão gradual e sutil que nós, bailarinos, não sentimos tantas mudanças (a menos que você esteja voltando de uma lesão). Apenas quando alguém me aponta algo é que confio em meus instintos de que as coisas estão realmente mais fáceis ou mais coordenadas. O feedback é muito importante em nosso trabalho, e eu procuro saber o que os diretores e professores tem a dizer, mas quando muito negativos pode derrubar nossa confiança. É uma linha tênue, assim como existe um equilíbrio delicado entre buscar a perfeição na dança e curtirmos a música e o movimento.


Trabalhando com Dame Monica Mason, ex-diretora do Royal.

Todo bailarino sabe que a natureza do balé é tal que, no minuto em que paramos de dançar, perdemos força muscular. Para estar em forma precisamos não só de folego e de um corpo condicionado, mas também precisamos engajar os músculos certos e trabalhar de uma forma para a qual apenas o treinamento diário pode nos preparar. É impressionante a rapidez com que podemos nos sentir "fora de forma". É uma questão de dias! Ao contrário de escrever, onde posso parar e recomeçar quando quiser e onde estiver.

Ao nos mantermos ativos, estamos garantindo um certo nível de condicionamento que poderemos desenvolver eventualmente sem nos machucar. Se nos esforçarmos muito cedo e muito repentinamente, o risco de lesões é alto. Isso, por si só, foi um grande motivador para mim. A ideia de estar relativamente pronta e forte para retomar as atividades de onde paramos me deixa mais tranquila. Tentei reproduzir meu estilo de vida da melhor maneira possível, sabendo também que a liberação de endorfinas quando nos exercitamos desencadeia uma sensação positiva no corpo, algo de que todos podemos nos beneficiar.



Normalmente, os bailarinos voltam de férias sentindo-se revigorados e inspirados para trabalhar duro novamente, e vejo que tudo que precisávamos era de descanso e um pouco de espaço. Sem perspectiva de nenhuma apresentação depois do Natal ou nada concreto em que pudesse me focar, senti que precisava de um impulso extra de energia e motivação, o que sempre encontro quando vejo minha família. Se estou muito ocupada no trabalho, um café e bom papo com uma amiga já levantam o meu ânimo.

Fui uma das sortudas que puderam viajar para casa esse ano, no que teria sido a nossa mid-season break (a pausa no meio da temporada). Passar duas semanas com a família, recebendo seu amor e o calor de tardes ensolaradas, funcionou como o remédio perfeito para mim. Ter um tempo longe do trabalho geralmente me ajuda a colocar as coisas em perspectiva. Já faz tempo que percebi que é mais benéfico manter-me ativa em casa, parando para valorizar os momentos juntos, do que ficar encucada com isso ou aquilo no estúdio.


Cafe favorito em Covent Garden no momento.
#tbt Brasil 2021

Sempre que me sinto presa com a minha escrita, fazer leves caminhadas e arejar minha mente ajudam no fluir da criatividade, e eu diria que o mesmo acontece na dança ou em qualquer projeto a que nos dedicamos. Ter um hobby nos ajuda a continuar com a tarefa principal.


Meu fisioterapeuta me diz:

‘quando focamos demais numa queixa, nao damos espaco para que ela se resolva, para achar outras estrategias de movimento. Quando focamos demais na habilidade que nao temos, perdemos a oportunidade de trabalhar o que temos.’


‘as vezes a gente so precisa se afastar do objetivo e se entregar de forma mais livre, relaxada, despretensiosa ao processo. Alem dos ladroes de criatividade, o medo do julgamento proprio e dos outros.’ (@movase.mais)


The Nutcracker © Andrej Uspenski

Por último, mas não menos importante, acho que o que nos leva a continuar, apesar dos obstáculos e dificuldades, são NOSSOS SONHOS. Somos movidos e encorajados pelo que imaginamos poder nos tornar um dia. Quando, há duas semanas, começamos a ter sessões de coaching no trabalho - variações e aulas de pas de deux - o humor de todos melhorou! Havia um entusiasmo visível entre nós, o que me lembrou um pouco os velhos tempos. Além de estarmos aprendendo passos do nosso amado repertório clássico, estamos sendo treinados por mitos da dança! Entre eles, Marianela Nunez, Alessandra Ferri, Sarah Lamb e Laura Morera.


Ao nos imaginarmos como príncipes ou princesas, tendo a chance de nos dedicar àquilo que tanto amamos e aspiramos ser, demos um novo sentido e propósito para nossos dias, uma pequena faísca de alegria e magia.


Aula com Alessandra Ferri, minha idola desde pequena.

Sempre achei que bailarinas fossem um pouco malucas. Nada pode fazê-las parar, nem mesmo febre ou resfriado (antigamente). Algumas se dedicam ao ponto da insanidade e obsessão, o que não é natural, mas cada uma de nós tem crenças e éticas de trabalho distintas e fazemos o que achamos ser melhor para nós. Em geral, somos teimosas, trabalhamos duro, somos incrivelmente resilientes e autodisciplinadas, mas acredito que somente o amor pela dança nos permite chegar tão longe.

A rotina de um bailarino pode parecer um tanto obsessiva e neurótica, mas por trás desse ciclo repetitivo, há algo que nos ajuda a crescer e compreender melhor a natureza humana. Nosso trabalho, Fazer ARTE, vai além dos desafios técnicos do dia a dia. É uma jornada (minha palavra favorita) de pequenas transformações e um conjunto de minúsculas conquistas.


Justine em Frankenstein - 2018

‘I found that dance, music, and literature is how I made sense of the world… it pushed me to think of things bigger than life’s daily routines…to think beyond what is immediate or convenient.’ - Mikhail Baryshnikov

Baryshnikov em Le Jeunne Homme

Durante a pandemia, aprendemos o pas de deux de Cinderella. Encontrei esse video com Lesley Collier e Anthony Dowell e me encantei.


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